segunda-feira, 26 de outubro de 2009

DROGAS E SEUS E FEITOS

Aspectos Cerebrais da Dependência
Incluído em 09/02/2005
Praticamente todas as drogas que podem gerar abuso exercem, direta ou indiretamente, efeitos cerebrais profundos. A via neurológica mais envolvida nas dependências é o chamado sistema mesolímbico de recompensa. Este sistema se estende desde o tegmento ventral até o núcleo acumbens, apresentando projeções para diferentes áreas, como o sistema límbico e o córtex orbitofrontal.
A ativação desse sistema mesolímbico de recompensa parece ser elemento comum a todas as drogas que fazem com que o usuário continue a consumi-las. Essa atividade não é exclusiva de uma única droga. Todas as substâncias que provocam adicção afetam esse circuito.
A drogadicção vem sendo considerada uma doença recidivante e crônica, caracterizada pela busca e consumo compulsivo de drogas. A chamada adicção a drogas é considerada como uma dependência de substâncias químicas, de acordo com a definição da Associação Americana de Psiquiatria, entretanto, é importante distinguir entre o uso moderado de substâncias, o abuso de substâncias e a dependência de substâncias (adicção). Nos seres humanos, felizmente, a grande maioria dos simples usuários de drogas não se torna usuário abusivo ou dependente químico.
Esse consumo estável e comedido de drogas pode ser observado em animais de laboratório, sem o aparecimento de sinais de dependência.
Existem muitos fatores envolvidos no desenvolvimento de dependência, como por exemplo, a disponibilidade da droga, a via de administração, o componente genético da pessoa, histórico pessoal de outras dependências, e estresse e eventos traumáticos de vida, enfim, podemos dizer que para a transição do simples uso de drogas à drogadicção muitos fatores atuam combinadamente. O desafio atual da ciência é descobrir quais são os elementos neurobiológicos e quais são as diferenças individuais capazes de vulnerabilizar pessoas para a dependência química.
A neurobiologia tem proposto a idéia de uma certa desregulação homeostática da busca do prazer um dos motivos pessoais para a busca das drogas. Vamos falar disso com o nome de desregulação hedonista (hedonista = para o prazer). Baseado nessas teorias da neurobiologia do comportamento, várias fontes de reforço podem ser identificadas no círculo vicioso da adicção (droga-prazer-culpa-falta de prazer-droga...), e os sintomas desse desregulação hedonista constituem critérios bem conhecidos para se identificar dependência química ou adicção.
Neurotransmissores críticos, hormônios e áreas neurobiológicas têm sido identificados como possíveis mediadores da chamada desregulação hedonista e podem ajudar a determinar os substratos de vulnerabilidade para a adicção a drogas e os elementos que protegem a pessoa dela.
Na fisiologia cerebral, a tomografia com emissão de pósitrons (PET), pode mostrar imagens onde as pessoas que usam cocaína apresentam um aumento no metabolismo da glicose em regiões cerebrais associadas com a memória e o aprendizado (córtex pré-frontal lateral, amígdala e cerebelo). Veja o Atlas PsiqWeb.
A neurofisiologia ainda está longe de saber as alterações na química e na estrutura cerebral envolvidas na recompensa prazerosa e que servem de reforço aos diversos comportamentos, inclusive ao uso de drogas. Alguns estudos indicam haver diversos neurotransmissores envolvidos e, principalmente, a liberação do neurotransmissor dopamina em uma região do cérebro chamada núcleo accumbens possivelmente relacionado à busca do prazer.
Este núcleo accumbens é quem recebe projeções de células dopaminérgicas situadas na área tegmental ventral, é um local de convergência para estímulos procedentes da amígdala, hipocampo, área entorrinal, área cingulada anterior e parte do lobo temporal. Deste núcleo partem eferências para o septo, hipotálamo, área cingulada anterior e lobos frontais. Devido às suas conexões aferentes e eferentes o núcleo accumbens desempenha importante papel na regulação da emoção, motivação e cognição.
O uso abusivo de drogas tem sido relacionado ao sistema mesocorticolímbico dopaminérgico. Dentro desse sistema dopaminérgico mesocorticolímbico estão sistemas de alguns neurotransmissores, como por exemplo o ácido gama-aminobutírico (GABA), o glutamato, a dopamina, a serotonina e os peptídeos opióides, juntamente com suas conexões com o núcleo acumbens e amígdala. Alguns estudos associam a liberação de dopamina no núcleo acumbens também às ações de reforço positivo do tetraidrocanabinol (THC), presente na maconha.
Para se ter noção das alterações cerebrais pelo uso de drogas, sabemos que a administração repetida de anfetaminas em ratos, produz alterações anatômicas no núcleo accumbens e no córtex pré-frontal, alterações essas capazes de durar mais de um mês depois da interrupção da droga. A exposição à anfetamina produzia aumento no comprimento dos dendritos (Veja o Atlas PsiqWeb), na densidade das espinhas dendríticas e no número de espinhas ramificadas dos neurônios espinhosos médios do núcleo accumbens e efeitos semelhantes nos dendritos apicais da camada III de neurônios piramidais no córtex pré-frontal.
Para o desenvolvimento da dependência é necessário que se recorra aos efeitos prazerosos da droga. Esse efeito prazeroso chama-se Reforço Positivo. O foco do mecanismo neurológico dos efeitos de Reforço Positivo capaz de gerar consumo abusivo de drogas tem sido o sistema mesocorticolímbico dopaminérgico e suas conexões com o cérebro basal anterior.
No caso da cocaína, das anfetaminas e da nicotina, a facilitação da neurotransmissão da dopamina no sistema mesocorticolímbico parece ser essencial para as ações de Reforço Positivo agudo dessas drogas. Vários receptores dopaminérgicos, tais como o D-1, D-2 e D-3, têm sido associados a essa ação de Reforço Positivo.
Estudos neurofarmacológicos sustentam a noção de uma contribuição dopamina-dependente e dopamina-independente para os efeitos de Reforço Positivo dos opiáceos, como a heroína. O etanol parece interagir com elementos sensíveis em vários sistemas de receptores de neurotransmissores, e essas interações podem contribuir a as ações de Reforço Positivo do etanol.
Alterações CerebraisAlém do uso agudo de drogas modificar o funcionamento cerebral de forma crítica, momentânea e aguda, o consumo prolongado pode causar alterações bastante abrangentes na função cerebral, alterações estas que persistem por muito tempo depois da pessoa parar com o uso da substância.
O cérebro do drogadicto é claramente diferente do cérebro do não-drogadicto, como revelam as alterações na atividade metabólica cerebral, na disponibilidade de receptores, na expressão dos genes e na capacidade de resposta a estímulos ambientais.
Algumas alterações cerebrais de longa duração são características de drogas específicas, enquanto outras alterações são comuns a muitas drogas diferentes. Essas alterações cerebrais comuns a várias substâncias sugerem que o mecanismo cerebral de todas as dependências pode ser o mesmo.
Entendendo que a drogadicção é, basicamente, causa ou conseqüência de alterações da função cerebral, um dos principais objetivos do tratamento deve ser tentar corrigir essas alterações cerebrais. Esse objetivo pode ser obtido através de tratamentos medicamentosos ou psicológicos (os tratamentos psicológicos têm tido sucesso na modificação da função cerebral em outros transtornos psicobiológicos).
No nível neurobiológico, dois modelos neuroadaptativos foram concebidos para explicar as mudanças na motivação para a procura de drogas que refletem o uso compulsivo:a contra-adaptação ea sensibilização.A hipótese da contra-adaptação está intimamente ligada ao desenvolvimento de tolerância do prazer, ou tolerância hedonista, na formulação conhecida como teoria do processo oposto.
Ao contrário, a sensibilização, isto é, o aumento progressivo do efeito de uma droga cada vez que é novamente administrada, concebe as mudanças de motivação como um deslocamento dentro de um estado de incentivo-saliência.
As duas concepções focalizam as alterações neurobiológicas nos níveis moleculares, celulares e de sistemas. Os dois sistemas podem implicar o que se tem chamado de alterações "dentro de um mesmo sistema" e "entre sistemas". As alterações dentro de um mesmo sistema, a nível neuroquímico, diz respeito às alterações nos mesmos neurotransmissores implicados nos efeitos agudos do uso da droga e alterados durante o desenvolvimento de dependência química.
Entre os eventos neuroquímicos contra-adaptativos que ocorrem dentro do mesmo sistema, encontram-se a redução da neurotransmissão dopaminérgica e serotonérgica no núcleo acumbens, durante a abstinência da droga. Nos níveis molecular e celular, foram observadas alterações na função do receptor opiáceo, durante a abstinência de opiáceos crônicos, assim como transmissão GABAérgica diminuída e glutamatérgica aumentada durante a abstinência alcoólica.
A sensibilização aos efeitos dos estimulantes psicomotores e opiáceos também parece estar envolvida na ativação dentro do mesmo sistema nas estruturas mesolímbicas dopaminérgicas.
Aparentemente há uma cadeia de adaptações que depende do tempo, dentro destas estruturas, que leva às alterações prolongadas provocadas pela sensibilização.Modificações em outros sistemas de neurotransmissão não-relacionados aos efeitos de reforço agudo da droga, mas ativados durante a sua administração crônica, têm sido concebidas como adaptações entre sistemas.
Exemplos de contra-adaptações inter-sistemas são, entre outros, aumento da função dinorfínica no núcleo acumbens durante a administração crônica de cocaína, aumento do nível de peptídeos anti-opióides associado à administração crônica opióides e presença aumentada de sistemas cerebrais de esforço, como o fator liberador de corticotrofina (FLC) como cocaína, opiáceos, álcool e maconha.
Recentes observações neuroanatômicas, neuroquímicas e neurofarmacológicas têm proporcionado sustentação para a noção da existência de um circuito cerebral específico dentro do cérebro anterior talvez capaz de mediar alterações neuroquímicas intra e inter-sistemas, associadas à recompensa da droga. As amígdalas cerebrais constituem uma macroestrutura que engloba várias estruturas cerebrais anteriores basais que apresentam semelhanças em termos de morfologia, neuroquímica e conectividade.
A sustentação para a hipótese de que as amígdalas desempenham papel ativo nos efeitos de reforço agudo das drogas passíveis de consumo abusivo pode ser encontrada numa série de microdiálise in vivo e em estudos neurofarmacológicos que demonstraram ativação seletiva da dopamina na cápsula do núcleo acumbens por parte das principais drogas que criam adicção.
Além disso, mecanismos GABAérgicos e opioidenérgicos no núcleo central das amígdalas podem participar das ações de reforço agudo do álcool. O núcleo central da amígdala também pode funcionar em contra-adaptação ao sistema de recompensa do cérebro durante o desenvolvimento da dependência química.
A administração crônica de drogas pode alterar o nível de FLC e a expressão do gene pró-opiomelanocortina nas amígdalas. Resposta aumentada do FLC no núcleo central das amígdalas encontra-se associada à abstinência aguda de álcool, opiáceos, cocaína e maconha.
O sistema mesolímbico dopaminérgico encontra-se claramente envolvido, porém nenhuma sub-região específica pode ainda ser delineada. Os glicocorticóides podem ativar o sistema mesolímbico dopaminérgico através do aumento da síntese de dopamina, da redução do metabolismo da doparnina e da diminuição da captação de catecolaminas. Pesquisas da participação de uma subprojeção específica do sistema mesolímbico na sensibilização encontram-se em andamento.
para referir:Ballone GJ - Aspectos Cerebrais da Dependência - in. PsiqWeb, Internet, disponível em , revisto em 2005http://virtualpsy.locaweb.com.br/index.php?sec=34&art=230

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